miércoles, 6 de agosto de 2014

O direito à ignorância


 Escrevo cá após, sei lá... anos de absoluta inatividade. A causa da ausência foi o cara-livro nom me ter deixado tempo para escrever neste espaço, se calhar, mais pessoal. Até há pouco a minha opiniom quanto à rede social já nomeada era que, embora fosse um espaço de óbvia vontade comercial (onde quem for cola a sua publicidade enquanto pagar tal direito, privado e privativo) nom deixava de ser um grande campo de comunicaçom em que conhecer e ser conhecido. Porém, após estes anos de inatividade no blogue (absoluta, já dixem) fiquei a saber que o facebook nom divulga tudo quanto escrevem os "amigos" na rede, mas sobretudo o que pode parecer interessante ao utente segundo os "gosto" que tenha premido desde que criou o perfil. Faz este grande irmao seleçom de quê é que pretensamente gosto, e de quê potenciais amizades poderia gostar e vai criando -desta arte- umha área mais restrita coa passagem do tempo. Em suma, afinal o blogue fica a ser um local em que me exprimir mais ordenadamente e em que ser lido e leitor doutrem com menores restriçons "reais", apesar da aparência individualista.

 Já feitas as cumprimentaçons protocolárias e rendidas as justificaçons (des)necessárias, dou começo ao que é que me prui hoje.


 Há já cinco anos que Feijóo governa na Galiza, e chegou ao poder co apoio ideológico dumha plataforma nada na cidade de Vigo, fundada por dous professores de liceu chamada "Galicia Bilingüe". Hoje a plataforma tem umha presença quase anedótica na vida pública e nos média, toda vez que já cumpriu a funçom que os seus promotores políticos lhe atribuiam: umha performance mediática ao serviço dum esperado sucesso eleitoral baseada numha mistura de "sentimento operário" e ideologia reacionária disfarçada de interclassismo. Nom fago gosto em dizer quem é ou nom é reacionário sem argumentos que suportem a asseveraçom, contrariamente exporei os meus motivos para dar nisso.

  
 Antes de mais, cumpre dizer que nom tenciono insultar quem é alvo do adjetivo "reacionário", mas tam só expor o seu caráter marcadamente conservador no social e no cultural, e isto traduz-se, por via da regra, em tentar perpetuar as diferenças quaisquer de teor social e cultural (o destaque em negrito está, como se vai ver, muito justificado) que compoem as fronteiras entre os de acima e os de abaixo (tradicionalmente operado por quem crê ser dos de acima ou eventual beneficiário futuro da lotaria em qualquer das suas formas). No argumentário que trouxo de volta o Partido Popular às instituiçons (mas nom razom única, pois a ampla campanha de desprestígio contra o bipartito e as suas ausências em questons importantes também figérom parte desta viragem) foi marcado o protagonismo do argumento de se impor a língua galega ao alunado de escolas e liceus e de terem direito os pais a eleger a língua em que seus filhos estudam. A imposiçom e o direito a decidir som apenas fórmulas discursivas, mas nom refletem sempre umha demanda democrática; até tal ponto é isto verdade que pessoas que defendêrom estas consignas bulem para dizer como Catalunya nom pode/deve exercer "el dret a decidir"... entom ou temos umha democracia que contradiz a democracia, ou temos súbditos vestidos de cidadaos (e alguém joga coas palavras).


 Á beira destas, temos algumha outra consigna que funciona como auxiliar do jeito de "o galego tenta se impor e por isso é rechaçado polos falantes, que decidem que o castelhano é esse grande espaço de liberdade", mas nom se faz senom voltar constantemente à ideia de imposiçom do galego. É verdade que o galego se impoe? É, com efeito. Desde quando é que se impoe? Desde que é ensinado ao alunado em idade escolar. Quer isto dizer que os conteúdos impartidos "por decreto" som impostos? É isso mesmo que quer dizer, e toda língua ensinada nessas condiçons é imposta polas instituiçons educativas. A pergunta é que deveria se estender ao conjunto das matérias, deveria-se estudar tudo o que se estuda? É tudo o que se estuda cultura geral? Entom o galego nom se rechaça objetivamente mais ou menos do que as matemáticas, as CC.SS. ou a economia por motivo da imposiçom dos conteúdos. A causa de o galego nom parar de perder falantes é complexa, e nela venhem de maos dadas a diglossia, a interrupçom da transmissom oral e as mudanças na forma de vida... mas nom é a imposiçom quem mais tem a ver no negócio.

 Desde esta perspetiva, porquê se recusa um cidadao-súbdito qualquer a que seus filhos ou ele próprio seja alfabetizado em galego (para além de castelhano)? Temos dumha parte a diglossia, a ideia de ser o castelhano o garante dum melhor nível de vida (daí que a partir da recuperaçom económica que encerrou o após-guerra sejá que a perda de falantes começou a crescer), doutra a mudança nos referentes, pois quê mundo descreve patrimonialmente o galego e quê mundo vivem as novas geraçons? Os referentes materiais em quarenta anos mudárom como nunca figeram na história, cumha celeridade sem precedentes... e por estas duas razons, sobretudo, é lógico que a transmissom oral se interrompesse (quê mundo vou contar ao meu filho e a quê nível de vida vou condenar a sua existência?).

 Deste ponto de vista, tomando como começo estas premissas é lógico que o galego evoluísse como é que evoluiu, mas decerto nom é nengumha das premissas básicas objetiva na realidade: nem o galego é melhor ou pior do que a língua que for, nem garante o castelhano melhor nível de vida, nem é incapaz o nosso romance hispânico ocidental de descrever o mundo com todas as suas mudanças. Som apenas perceçons subjetivas a respeito da língua que produzem um efeito objetivamente constatável: a interrupçom da transmissom oral, ou a passagem da fiçom à realidade perante os vossos olhos em dous cómodos passos. Já sei, tendes razom, respondemos a perguntas que som secundárias e fica ainda sem soluçom um paradoxo central: se o galego nom decresce por razons objetivas e nom se impoe mais do que qualquer umha matéria escolar, porquê se protesta? Por desgraça, para chegar lá tenho de andar à roda do fogo um bocadinho mais sem saltar por cima dele, dar algumha outra volta.

 Se calhar, poderia se argumentar que o galego tira tempo e esforços valiosos para o alunado aprender línguas "úteis", mas útil é todo o conhecemento aplicável ao concreto e organizado em base à razom (ou isso deixou dito para a posteridade o racionalismo iluminista de pessoas como Xovellanos: "quid verum, quid utile", sempre que for verdade, será útil). Ainda mais: as línguas aprendidas nom som pesos mortos para levarmos connosco, mas som pontos de referência que permitem a aprendizagem de novas línguas, e por causa disto, aprender línguas prévias às que crermos "úteis" ajudará à aprendizagem das últimas. Assim aprender catalám (mesmo sem necessidade de nos comunicar em catalám) é muito recomendável para facilitar a aprendizagem do francês ou o italiano, porque dá pontos de apoio para novas línguas e está a meia "distância" entre a(s) nossa(s) e a(s) língua(s) destino.

 Umha outra possibilidade: será acaso que o galego obstaculiza a aprendizagem do castelhano na Galiza? A resposta que se propoe a esta pergunta dá um resultado se calhar inesperado: o galego quando nom for impartido eficazmente polas instituiçons educativas será obstáculo muito importante para a aprendizagem dum castelhano ajeitado às normas académicas, puro e castiço. Aprender língua galega, a sua fonética (hoje quase por completo ausente), o seu léxico (hoje em dia muito superficialmente estudado) e as suas estruturas próprias ajuda o alunado a diferenciá-lo com o castelhano e, portanto, ajuda-o a se exprimir (se tiver vontade) num castelhano culto.

 Entom, os pais que quigerem que o filho fale bom castelhano perceberám sem dificuldade a importância de os filhos saberem quê palavras som galegas, quê traços fonéticos nom som relevantes para o castelhano e quê estruturas se desconhecem fora do nosso país aplicadas à língua patrimonial de Castela. O estudo de língua galega é recomendável antes de mais para quem vai falar castelhano na Galiza, porque tem todo o direito a utilizar um castelhano culto sem ser molestado polas outras línguas presentes no nosso território... bem mais importante que o direito à ignorância do galego e, portanto, do estândar da língua castelhana.


 Agora, já no fim, é momento de responder à pergunta: porquê se protesta entom?, porquê protesta(va) ontem umha plataforma e hoje uns hipotéticos pais desinformados e malevolentemente manipulados? Porque quem procede de famílias em que se falou galego patrimonialmente até há umha ou duas geraçons segue a ser, e seguirá a ser provavelmente "dos de abaixo", e portanto deve seguir "marcado" e sem possibilidade de ocultar a sua "desonrosa extraçom social" (nom exatamente "pobre", mas "pobre e descendente de falantes de galego") através do seu castelhano visivelmente diferente, misturado com impureças próprias dos humildes. Eis a democracia e a liberdade do "direito a decidir nom-se-sabe-o-quê": a democracia e a liberdade só existem após o conhecimento (ao que cada quem engade a sua perspetiva). Lá tendes.





 PD: a história dos galegos "de abaixo" que tentárom com toda a força ir para afora do poço de miséria que a Galiza tem sido tantas vezes, é também a minha história e a dos meus, e por ela nom sinto o mais mínimo ápice de vergonha.